Editado pela Solisluna, ‘Roma Negra’ marca estreia literária de Esteban Vivaldi, ilustrador ítalo-chileno radicado na capital baiana.
Dois adolescentes do interior querem conhecer o mar e começam uma viagem atrevida pelo sertão. Um pintor em decadência tenta se salvar através da arte. Um marinheiro aporta na capital baiana, onde enfrenta um passado obscuro. Enfim, Alexandrina, típica moça da periferia, que se vira como pode, e que converge todas essas histórias, representando a Cidade da Bahia, com seus mistérios e recomeços. Os personagens fazem parte da graphic novel Roma Negra, de Esteban Vivaldi, editado pela Solisluna.
A trama é contada por várias vozes e se articula em três histórias entrelaçadas que se encontram em Salvador. Para construir as narrativas, o ilustrador e escritor ítalo-chileno radicado na capital baiana - no bairro do Rio Vermelho, mais precisamente - lançou mão do que ele chama de ‘pesquisa natural’, através de suas observações e das próprias vivências. “Quando cheguei aqui, em 2014, quis conhecer o Centro Histórico, a Cidade Baixa, os becos, os bairros e o Subúrbio. Era um mundo completamente novo que não parava de se revelar. Tudo isso começou a tomar consistência e a nutrir conjecturas que se transformaram nesse livro”.
Para Esteban, Salvador se revelou potência cultural, contradição social, mistura antropológica complexa e paraíso geográfico: “Esse jeito nobre e miserável, essa sofisticação e simplicidade, esse ar de província e, ao mesmo tempo, cidade imperial, esse ser muitas coisas contemporaneamente. Acho que é suficiente para se apaixonar”.
Produzida ao longo de um ano, Roma Negra marca a estreia do ilustrador no fantástico mundo das histórias em quadrinhos. Mas, seu interesse pelo gênero é antigo:
“Sempre gostei de quadrinhos. Quando era criança, não parava de desenhar. O desenho me acompanha como um cachorro fiel. Posso dizer até que o desenho já me salvou a vida várias vezes, me puxando do fundo do poço existencial”.
Referências e descoberta de Carybé
As referências são o cartunista norte-americano Winsor McCay, o ilustrador e diretor italiano Lorenzo Mattotti, o pintor e escritor francês Roland Topor e o artista visual chileno Germán Arestizábal. Na Bahia, Esteban conheceu a obra de Carybé (1911-1997), por quem se encantou. O artista plástico argentino naturalizado brasileiro, também radicado em Salvador, ganhou até uma homenagem nas páginas da HQ.
“Carybé foi uma dessas revelações que a Bahia me deu. Quando descobri sua arte e sua vida, senti um empurrão pelas costas, como que dizendo: ‘Bora, vai e conta aquilo que você vê!’ Também Carybé era um artista vindo de longe, não era baiano, mas soube representar esta terra como ninguém. Por isso, quis homenageá-lo, me inspirando em uma das suas pinturas mais belas, quase como um bom presságio”, entrega.
O título do livro é uma referência a Salvador (conhecida também como Roma Negra, por conta da forte presença das religiões de matriz africana) e traça um paralelo com a capital italiana, onde Esteban passou boa parte de sua vida. “É uma relação de tipo poética e espiritual. As duas são capitais religiosas importantes: Roma é a capital do catolicismo, Salvador é a capital do candomblé. Às vezes, alguns cantos daqui até parecem com a Cidade Eterna. Acho isso fantástico!”.
Solisluna celebra 30 anos
O lançamento de Roma Negra é parte das comemorações dos 30 anos da Solisluna Editora (celebrados em 2023), que também estreia no gênero dos quadrinhos com sua primeira graphic novel. As graphic novels - traduzido para o português como novela/ romance gráfico - são HQs com tramas mais elaboradas e complexas, maior número de páginas, voltadas, em sua maioria, para o público adulto.
“Para nós, é uma alegria imensa entrar nesse universo com uma obra tão bonita, cheia de nuances. Nos dedicamos durante meses ao texto e às imagens, para entregar o que há de mais moderno aos leitores do gênero, que são bastante exigentes”, ressalta Valéria Pergentino, sócia-fundadora da Solisluna. A editora foi uma indicação de Solange Bernabó, filha de Carybé, a Esteban Vivaldi. “Ele foi mostrar o projeto a Solange e ela prontamente nos indicou, o que é uma honra e diz muito dessa nossa longa trajetória”, afirma Valéria.
Sobre o autor
Esteban Vivaldi nasceu no Chile, em 1975. Passou a infância na Patagônia chilena, na ilha de Chiloé, onde começou a desenhar graças à influência de um pintor amigo da família. Em 1983, junto com o pai, mãe e irmã, mudou-se para Roma, na Itália. Nos anos de 1990, tornou-se um dos pioneiros do graffiti romano, formando o grupo NSB, muito ativo nessa década. Enquanto estudava arquitetura em Veneza, interessou-se pelo cinema e chegou a produzir curtas-metragens. De volta a Roma, em 2000, trabalhou como editor de documentários. Em 2014, mudou-se para Salvador. Aqui Esteban volta a dedicar-se ao desenho e à contação de histórias em imagens, fazendo algumas exposições individuais e ilustrando livros para crianças. Roma Negra é sua primeira graphic novel.