Tempo rei: um papo com Alessandro Marimpietri

O ano de 2021 marcou a estreia de Alessandro Marimpietri no universo literário. Psicólogo voltado para as infâncias, a adolescência e a família, a pandemia trouxe para ele (e para todos) um novo ritmo de vida, uma convivência mais intensa com o filho Lucca.
Em
Quando somos um só, lançado pela Solisluna, Marimpietri abordava a forte relação entre pai e filho, como essa relação reflete em nosso comportamento até mesmo quando adultos. 

Em seu segundo livro, O que é o tempo?, a ser lançado neste mês de outubro, o psicólogo baiano mantém o olhar em Lucca, agora com 11 anos, que representa toda uma geração de crianças criadas em um mundo digital, acelerado e com excesso de informações. Dessa vez, o tempo é o rei da história. 

Livros de Alessandro Marimpietri

Nessa entrevista, Marimpietri fala sobre sua nova obra, e faz questão de ressaltar que nela, ele não trata apenas do tempo cronológico: 

- Fale um pouco sobre sua trajetória como psicólogo das infâncias e o que lhe conduziu até a escrita. 
Sou psicólogo clínico e, há mais de 20 anos, me dedico a escutar histórias de crianças, adolescentes e suas famílias. Então, o universo das infâncias e adolescências, as relações familiares, o modo como eles percebem a realidade, seus dilemas e, especialmente, a maneira como inventam saídas para os entraves do existir são uma espécie de matéria-prima do meu trabalho, que, humildemente, tenta contribuir nesse processo. Isso tudo está em mim. Na pandemia, resolvi escrever coisas para meu filho e para todas as crianças, mesmo aquelas que habitam nos adultos.

- Em que medida seu filho, Lucca, influencia sua obra? 
Toda minha escrita nesse projeto se deve a ele. Quando somos um só nasceu de uma fala sua: “Quando eu for adulto e você for velhinho, você deixa eu lhe colocar para dormir em cima de mim?”. Isso é de uma potência tão grande, que não havia outro jeito, senão escrever para ele, para todas as crianças e para, de certa forma, todo mundo. Já em O que é o tempo?, tudo começa com sua pergunta, tão desconcertante quanto instigante, sobre o que seria mesmo a entidade do tempo. Ou seja, ele é o autor das sementes dos dois livros. Que sorte a minha poder escutar sua poética e fazer disso algo amplo e para além de nós. 

- Por que decidiu falar sobre o tempo com o público infantil? 
Na verdade, não tratamos do tempo cronológico apenas. Esse livro também nasceu de uma pergunta do meu filho direcionada a mim.  Eu escrevi o texto na tentativa de, flertando com o impossível da resposta, construir um pensamento sensível sobre essa questão.  Falamos do tempo das coisas, do tempo das experiências, da nossa percepção íntima sobre o tempo e o modo como lidamos com essa dimensão que nos empurra para frente, às vezes nos põe numa montanha-russa e, às vezes, nos deixa presos ao passado. Ou seja, as múltiplas dimensões do tempo. Acho que podemos falar de qualquer tema com as crianças, a questão central é o como fazemos isso. Nesse caso, escolhemos a beleza, o cuidado e a alegria.

- Assim como em Quando somos um só, Esteban Vivaldi (ilustrador e autor de Roma negra) é o responsável pelas ilustrações de O que é o tempo?. Fale sobre essa parceria. 
Essa parceria é um orgulho para mim. Um escritor iniciante começar sua jornada ao lado desse gigante das artes é uma honra. Devo isso ao olhar atento da Solisluna, que viu nesse encontro algo frutífero e acertou no alvo! Esteban é inteligente, criativo, competente, sensível e disposto a mergulhar em desafios inéditos, como foi em Quando somos um só. Foi dele a ideia da família de pinguins navegadores, é dele o mérito de criar uma narrativa visual para uma declaração de amor. Ele inventou uma história dentro da história. Nós juntos, ele, eu e a editora inventamos um jeito de fazer um livro que se dispõe a ocupar um espaço entre os pais e seus filhos, o que acho muito interessante.

- Você acredita que o livro é uma espécie de instrumento que ajuda a pausar o ritmo acelerado do tempo? 
Sem dúvida. Em especial os livros ilustrados para as crianças. Eles são um estímulo forte o suficiente para engajar a avidez da infância, mas permitem um espaço aberto para a criatividade, a invenção e o reconto das histórias, fugindo da sobrecarga dos eletrônicos que solapa nossos vazios, desde onde nasce a reinvenção da vida.

- A máxima 'Tempo é dinheiro' ficou ultrapassada?
Em certa medida, o tempo tem grande valor na sociedade contemporânea. Estamos cada vez mais sem tempo. Entretanto, essa máxima surgiu como emblema de uma lógica produtivista que não se aplica mais hoje. Ou seja, quanto mais rápido fazemos as coisas, melhor.  O que vemos hoje em diversos campos, desde os mais subjetivos até os mais pragmáticos, é que não funciona bem assim. No caso da infância, menos ainda. A criança precisa de tempo para não produzir, para atualizar uma série de questões psíquicas centrais, para contemplação, para sedimentar experiências e etc. Acelerar  esses processos, ao contrário do que parece, não produz sujeitos mais fortes e competentes, e sim faz uma mácula por vezes indelével em vivências capitais para um desenvolvimento saudável.

- As crianças e os adolescentes também vivem imersos em um mar de informações. Como convencer as crianças e os adolescentes a lerem?
Ler é uma espécie de viagem. Mudamos o que está dentro de nós, e, também, nosso entorno. Aprender a apreciar isso é incrível! Não acho que se trata de convencer: temos que oferecer o melhor às crianças em texto, imagens, diagramação; deixar sempre livros bons ao alcance delas; sermos exemplo de leitura e encantamento com o mundo; mostrarmos nosso entusiasmo com as histórias (lastro da nossa humanidade) e espalhar tudo isso aos quatro cantos!

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